Se eu não fosse
Seria um sinónimo de coisa nenhuma
Então, também eu não teria acontecido
Não seria
Seria puramente nada
Mas seria um vazio implorante de tudo
Eu seria um vazio chato e reclamante
Mas nunca me perderia
Eu seria o silêncio
Seria a semente do acordar
Que não adormecia
Mas que queria florescer
Ah… Se eu não fosse nada
E o mundo fosse tudo?
Será que eu queria ser?
Não…
Não queria todos os dias o ritual do mundo
E aquela saudade do vazio, do nada
Iria  certamente aborrecer-me
E transformar-me no tudo que sou

Dias de mar
Dias de terra
Nós de cabeça baixa
A olhar para o nada
Sozinhos com pouco no bolso
Uma casa desarrumada
Os amigos na vida
E o que dela resta
Consome-se o tempo e o mundo
Espalha-se lentamente a eutanásia pelas ruas da cidade
Onde ninguém já brinca
Onde não se vêem as crianças jogar
Só os ateus cabisbaixos nos seus telemoveis
Desfeitos de vaidade e parvoíce
Jazem velhos e apodrecidos
Numa rua de merda
Onde ninguém se fala
Onde ninguém se conhece
E todos se desfazem lentamente

Sem origem o desassossego
Vai e volta como as ondas do mar
Um vai e vem de intrusão
E como se não bastasse não estás aqui
Nem vais estar
Como se não bastasse
Não há sossego
Mas vive-se
Respira-se o mar que continua de azul turquesa

Vive-se a cidade de várias cores
E o desafio está nas palavras
Que por existirem não sossegam
Não morrem…
Deslumbram-me…
E o relógio não pára
Não morre
Passa o ponteiro e não se vê o tempo
Não volta
Mais um poeta que morre 
Mais outro que nasce
Mais palavras
Mais e mais sentidos
E o sangue que escorre
Que coagula
Que vive
E o desassossego que abafa o mundo
Perde a fome de vez em quando
No seu próprio lamento

Lamento para mim ter perdido aquele sabor
O sabor de saber amar
Talvez não consiga amar já
É a definição de tristeza pura
Leva-me aonde não fui
Leva-me à ternura desse saber
Dessa moda intemporal
Não quero o espaço do vazio
Não quero as palavras não escritas
Não ditas
Talvez o sabor tenha ficado preso no tempo
Congelado num continente distante
A minha cara parece não mostrar o que sinto
Mas não…
Os meus olhos não me mentem
Apenas me assustam
E desesperam
Caem no infinito
Desmontam-se em peças
Abrigam-se ocultos

Vive!
Vive mais do que ontem!
Mas vive
Sem amanhã
Não deixes que ninguém te veja longe de ti
Das tuas palavras
Das tuas aspirações
Dos teus desejos
Dos teus sonhos
E sonha, sonha acordado e a dormir
Sonha o teu sonho
Mostra-te ao futuro que é agora
E sê tu próprio a poesia que pensas sonhar
Aquela que preenche o vazio com a emoção
Aquela poesia que constrói e destrói mundos
Que te faz a ser tu próprio
Entra em ti como gostarias de ser recebido
Dá ao teu dia uma hipótese única de ser um bom dia
Não duvides de ti nem um dia
Um dia preenchido pela dúvida será um dia a menos na tua vida
Abraça o mar todos os dias
Abraça-o, nem que seja usando a tua imaginação
Que importa ter se não ser?
Que importa pensar senão sentir
Sente!
Acima de tudo sente…

Já não é a poesia
Nem as palavras que se se apresentam aqui
Nem a tinta da máquina de escrever
Nem o papel branco
Nem sequer o fugaz computador anarquista
Talvez seja a experiência da vida
A barba branca
E as rugas nos olhos
Sim talvez seja a vida
É o tempo
E a aborrecida tarde de verão
Em que cai a saudade
E onde as palavras não caem
Não cabem
Nem sequer chegam a tocar a solidão
Sobrevive-se com força
Como se recomeçasse do infinito
E ainda assim foram criadas por mim estas palavras
Não sei como mas sei porquê
Se for poesia então não morre
Não morro